O Estado de S. Paulo – Jornal da Tarde – outubro 2008
Crianças – Talento e Sucesso – Cynthia Ladvocat
1. Como os pais devem lidar com uma criança que muitas vezes ganha um salário maior que o de seus pais ou até sustenta a casa? Como discutir limites financeiros com os pequenos nessa situação?
A questão de uma criança ganhar uma certa quantia as vezes até superior que a renda da família deve ser conversada com a criança. Ela deve saber que uma parte desse dinheiro será colocada em uma poupança, por exemplo, e que o restante será utilizado pelos pais na manutenção da carreira profissional que demanda constante investimento. A criança pode até querer gferenciar seu dinheiro, por exemplo, comprando muitos brinquedos. A família deve avaliar como equilibrar o orçamento da família e os anseios da criança, que não deve nem se sentir sendo roubado, nem muito menos tendo o poder de decisão sobre algo fora dos seus domínios.
2. Vejo famílias que mudam de cidade ou até mesmo se separam (pai e filho ficam em um Estado e mãe e filha vão viver no Rio para viabilizar a carreira da criança). Essa entrega dos pais pelo sucesso dos filhos talentosos é benéfica, fortalece as relações familiares?
Isso é um fato já comum na vida de artistas mirins. A mudança de estato as vezes é necessária, porém devem ser avaliados muitos fatores como os lucros e as perdas em função da separação da família. Para a criança, sua vida familiar, sua escola e seus amigos não devem ser colocados totalmente a parte em função da vida artistica da criança, pois o que ela mais precisa não é ganhar dinheiro e ser famosa e sim ter uma vida estável.
3. Na sua opinião, é possível que muitas vezes a criança se dedique muito a uma atividade (atuar, ser um esportista de competição, cantar, apresentar) mais para ter o reconhecimento dos pais ou dos amigos do que por gostar tanto daquilo?
Hoje em dia as agencias e os empresários mirins já têm conhecimento que a vida da criança não deve sofrer alterações drásticas, com o risco de afetar o desenviolvimento saudável da criança. Se a criança estiver envolvida com uma atividade para agradar seus pais, esse fato demonstra que a criança precisa de mais suprimento ambiental do que da fama. E caso consiga sucesso, poderá na mesma continuar infeliz e insegura.
4. Como diferenciar o que é realmente um talento raro, algo incomum naquela idade, de uma fantasia narcísica que os pais projetam sobre os filhos?
Não é incomum um filho ser fruto do projeto fracassado de seus pais. Essa criança deixa de ser real para ser retrato do desejo projetado no filho. Se for um talento raro, a criança irá se destacar com certeza, mesmo que os pais sejam muito corujas. Mas se a atividade artística da criança atender somente ao desejo narcísico dos pais para compensar antigas frustrações, a criança não conseguirá de destacar e o sonho desses pais irá por terra abaixo.
5. Ser um atleta de alto rendimento, que treina 5 horas por dia, é algo que cabe em uma fase como a infância? Afinal, muitas vezes os esportes são datadas: ginastas só se tornam profissionais se começam cedo. Quando há de fato uma aptidão notória, vale a pena sacrificar alguns prazeres da infância: tempo livre para brincar ou dormir, comer guloseimas ao invés de adotar dietas específicas para o esporte, ter reuniões de grupo na escola, freqüentar casa de amiguinhos …
Toda a dedicação para atingir um ideal deve ter um limite. Para isso a escola, os médicos, os vizinhos, a família extensa, os amigos, enfim, toda uma rede social serve para alertar os pais caso eles estejam se excedendo. A própria criança muitas vezes reage mal a excessos, eventualmente com a recusa explicita em continuar na função, para desespero de muitos pais que vêm nos filhos a realização de seu projeto de vida.
6. A criança está preparada para o sucesso? Ela é capaz de perceber que aquilo pode ser uma situação transitória, efêmera? Afinal, cansamos de ver grandes talentos que desaparecem tão rápido quanto surgem (Simonny é um caso típico de ex-criança famosa …). É mais difícil para a criança lidar com essa possível frustração?
A criança na verdade nasce se sentindo a pessoa mais importante que existe no mundo. A expressão: “sua magestade o bebê” retrata o sentimento de onipotência tão fundamental na infância. Portanto a criança lida de forma muito natural com o sucesso. E por isso assusta os adultos com sua reação natural de aceitar o fim da brincadeira, de ser uma fase passageira,. A criança lida bem com a mudança de planos, muito mais do que seus pais, que podem sofrer uma grande decepção e desapontamento
Cynthia Ladvocat - Psicóloga CRP 05/2921
Presidente da Associação Brasileira de Terapia Familiar
Mestre em Família pela PUC-Rio
Docente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
Membro da Eurpean Family Therapy Association